Programa de Cultura Portuguesa

Por Pedro Calafate

Com o presente programa pretende-se dar a conhecer um conjunto de tópicos significativos da Cultura Portuguesa, não diretamente relacionados com a sua dimensão literária e poética. O seu objetivo é o de alargar o âmbito de consideração da nossa cultura para a área habitualmente designada por «pensamento», a qual apresenta, no entanto, uma fronteira fluída com as duas dimensões referidas.

 

Santo António
Pintura de retrato de Santo António. Pintado por El Greco entre 1541 e 1614

Santo António

O conhecimento e a divulgação do pensamento português afigura-se-nos como um aspeto relevante de afirmação da Cultura Portuguesa no mundo, explorando temas tão diversos como:

 

 

 

  

 

  • a afirmação do humanismo universalista em Orósio, de que emergem os dois mais significativos pilares da nossa cultura: o humanismo clássico e o cristianismo;
  • a assunção da dignidade racional do homem em Martinho de Dume e os primórdios da evangelização da Galécia e do norte da Lusitânia;
  • o primado das questões ético-políticas com a Geração de Avis, bem como a dimensão introspetiva da obra de D. Duarte, nomeadamente no que se refere à questão da «saudade»;
  • a importância do franciscanismo com a figura intelectual de Santo António de Lisboa, pela valorização da inserção do homem na natureza;
  • a construção da natureza e de um novo espaço humano no período dos Descobrimentos;
  • os quadros do humanismo português, na sua expressão católica e na sua aliança com o projeto imperial do Estado, destacando-se neste domínio a obra de João de Barros;
  • a pujança intelectual da comunidade hebraica, com figuras com a projeção de Leão Hebreu;
  • a estética e as teorias da arte, afirmando os alvores do maneirismo, no século XVI, com Francisco de Holanda;
  • a defesa da liberdade humana perante o rígido determinismo luterano com Pedro da Fonseca e Luis de Molina, nos alvores da divisão da Europa entre católicos e protestantes;
  • a defesa do direito de revolta ativa e da soberania inicial do povo com os tratadistas políticos da Restauração;
  • a matriz jesuítica dos Conimbricenses que projetaram a escolástica portuguesa na Europa do século XVII;
  • os debates sobre o direito de navegação nos mares longínquos ao longo do século XVII, com relevo para Serafim de Freitas;
  • os paradigmas do barroco em António Vieira, bem como a defesa dos direitos dos povos descobertos na base no jusnaturalismo;
  • a dinâmica das Luzes no século XVIII e as grandes polémicas sobre as vias de modernização do país ao longo do século XVIII, postulando dramas de alternativa dos quais somos hoje herdeiros;
  • os debates entre cientismo e metafísica na Geração de 70, bem como entre progresso e decadência, equacionando o país perante uma mítica ideia de Europa, com destaque para Antero e Oliveira Martins;
  • o triunfo do positivismo na sua expressão doutrinal e política, vencendo os ténues assomos do inicial movimento socialista português;
  • a emergência da heterodoxia com Sampaio Bruno e a sua continuidade em Teixeira de Pascoaes, numa cosmicidade que se abre a um naturalismo vincado, e se prolonga na ênfase atribuída ao saudosismo;
  • a reflexão sobre os destinos de Portugal e sobre as alternativas da nossa história com a Renascença Portuguesa, com Pascoaes, Fernando Pessoa, António Sérgio, Jaime Cortesão ou Agostinho da Silva;
  • os rumos do pensamento existencial de Raul Brandão a Vergílio Ferreira, passando por Delfim Santos e António Quadros;
  • a emergência do «socialismo democrático» e de uma ética da liberdade em autores como Raul Proença e António Sérgio, vincando ainda a forte presença do ensaio na nossa cultura, seja com Sérgio, seja ainda com Sílvio Lima.

 

Padre António Vieira
Retrato de Padre António Vieira a óleo sobre tela. Autor desconhecido. 

E estes temas, sucintamente enunciados, bem como os restantes que se referenciam neste programa, embora não esgotem o vasto plano em que se integram, permitirão orientar sessões de trabalho, razão pela qual se incluem, a propósito de cada um, os principais elementos bibliográficos. A este respeito, sempre que existam obras gerais com bibliografia ampla e de fácil consulta, remetemos para elas, sendo de destacar a página "Filosofia Portuguesa" (organizada por Pedro Calafate), bem como a História do Pensamento Filosófico Português, dir. de Pedro Calafate, Lisboa, ed. Caminho, 1999 e ss.

Sublinha-se ainda que muitos dos autores enunciados pertencem também à cultura de múltiplos países europeus (a Itália para Sto. António, Pedro Hispano, Vernei ou Leão Hebreu; a França para Francisco Sanches; a Rússia e a Holanda para Ribeiro Sanches, a diáspora hebraica na Holanda, Castro Sarmento em Inglaterra...) podendo constituir tema oportuno de abordagem nos países em causa.

É ainda de notar, a este respeito, que autores como Santo António alcançaram uma projeção destacada na República Checa e na Polónia, o mesmo sucedendo a Vernei para o caso da Espanha e alguns países da América do Sul.