Jaime Batalha Reis

Por Maria José Marinho

Jaime Batalha Reis nasceu em 24 de dezembro de 1847, numa família da burguesa lisboeta, de pai liberal com alguns teres e haveres, proprietário no Turcifal, onde era um conhecido produtor de vinhos. Depois de frequentar, em regime de internato, o colégio alemão Roeder, matriculou-se no Instituto Geral de Agricultura onde, depois de um brilhante percurso escolar, se formou em agronomia.

Uma noite, prestes a acabar o curso, tendo ido à redação da Gazeta de Portugal, encontrou Eça de Queirós, com quem se travou de amizade para a vida inteira. Essa relação ampliou-lhe o círculo de amigos, e a sua casa, na Travessa do Guarda-Mór, em pleno Bairro Alto, passou a ser o local de encontro de uma juventude intelectual e boémia, o núcleo do que viria a ser a “Geração de 70”. Mas foi principalmente o encontro com Antero de Quental, por volta de 1868, que lhe veio permitir colmatar algumas fragilidades culturais e desenvolver os conhecimentos filosóficos.

O brilho da carreira estudantil, durante a qual arrancara vários prémios, e o interesse dos professores, principalmente Ferreira Lapa e Andrade Corvo, haviam-lhe alimentado a esperança de ser convidado para a carreira docente. Mas isso não iria acontecer, pelo menos nessa altura, talvez pelas opiniões expressas numa dissertação em que defendera as teorias de Darwin. No entanto os seus conhecimentos profissionais vão a pouco e pouco permitindo-lhe movimentar-se nessa área, sendo convidado para integrar júris que avaliavam a qualidade da produção agrícola e fazer preleções aos agricultores. Especializou-se no estudo da nova moléstia da vinha - a filoxera - e começou a colaborar em revistas e jornais. Esta atividade, porém, não o afastava das suas preocupações literárias e artísticas. Foi em 1869 que Eça, Antero e Batalha Reis inventaram, num delírio criativo, “o poeta satânico” Carlos Fradique Mendes; e das poesias publicadas uma, “Velhinha”, era da autoria de Jaime Batalha Reis.

Já por essa altura encontrara o amor da sua vida, com quem viria a casar, depois de um longo e atribulado namoro. Chamava-se ela Celeste Cinatti e era filha de um dos mais célebres cenógrafos da época – José Cinatti. A necessidade de conseguir a estabilidade económica para “noivar” e casar acicataram-no na procura de emprego, e depois de várias tentativas infrutíferas – administrador de uma propriedade da Casa de Bragança, deputado, agrónomo em Viseu, professor no Brasil - resolveu concorrer à carreira consular. Apesar das esperanças que alimentara, não conseguiu provimento, pois ficou em terceiro lugar. Voltou por isso a intensificar a sua atividade profissional.

Entretanto Antero e Batalha Reis, tornados inseparáveis, tinham ido morar para uma sobreloja em S. Pedro de Alcântara, lugar que sendo frequentado, na época, pela burguesia lisboeta, se tornara muito barulhento, incomodando Antero. Mudaram-se e no início de 1871 já estavam instalados numa casa na Rua dos Prazeres, sítio sossegado, onde passaram a vir os conviventes habituais – Eça de Queirós, José Fontana, Augusto Fuschini, Manuel de Arriaga, Oliveira Martins, Augusto Machado, Guerra Junqueiro. Foi aqui que se gizou o programa das “Conferências Democráticas do Casino Lisbonense” ou, mais simplesmente, as “Conferências do Casino”. Depois das intervenções de Antero, Augusto Soromenho, Eça de Queirós e Adolfo Coelho, a continuação das palestras foi proibida por uma portaria assinada pelo Marquês de Ávila e Bolama, então presidente do conselho de ministros. Esta interrupção não permitiu que Jaime Batalha Reis fizesse a sua preleção que versava sobre o “Socialismo”. A atitude do governo, verberada pela opinião pública, seria reforçada pela publicação de dois folhetos dirigidos a Ávila e Bolama, um de Antero de Quental e outro de Jaime Batalha Reis, que começando por afirmar “Eu sou socialista” terminava dizendo: “O que V. Exª fez obriga-me a descrer ou da sua ilustração ou da sua probidade. Eu descri da ilustração. Todos os atos da vida de V.Exª me autorizavam a fazê-lo.”

Em fins de 1871, depois de se haver esfumado a possibilidade de um consulado itinerante, projeto que não chegou a ser apresentado na Câmara dos Deputados, Jaime Batalha Reis acabou por ser convidado para chefe do Serviço Agrícola do Instituto Geral de Agricultura, cargo administrativo que ocupou em fevereiro de 1872. Não que fosse o lugar desejado, mas permitia-lhe a entrada para a instituição onde fora um brilhante aluno e a possibilidade de casamento com Celeste Cinatti, que se realizou em setembro desse mesmo ano. Logo no outono viria a ser designado para substituir Andrade Corvo nas cadeiras de Botânica, Economia Rural e Florestal, e continuando a carreira docente ocupou, muito mais tarde, depois do respetivo concurso, em 1882, o lugar de lente de Microscopia e Nosologia Vegetal.

O ano de 1874 e parte de 1875 vai ser preenchido pela elaboração de um projeto também muito caro a Antero de Quental e Oliveira Martins: a publicação de uma revista que reunisse a colaboração de intelectuais portugueses e espanhóis. Depois de muitos contratempos, que Batalha Reis ultrapassou com a habitual tenacidade, o 1º número da Revista Ocidental saiu em fevereiro 1875, e foi nas suas colunas que Eça de Queirós publicou a 1ª versão de “O Crime do Padre Amaro”. Além de Eça, nela colaboraram Batalha Reis, Antero, Oliveira Martins, Adolfo Coelho, Sousa Martins, Maria Amália Vaz de Carvalho, intelectuais e políticos espanhóis como Pi y Margall, Fernandez de los Rios, Rafael de Labra, Canovas del Castillo. Porém, as dificuldades de coordenar a colaboração, e a falta de financiamento, situação crónica neste tipo de publicações, derrotou o projeto, que não ultrapassou o mês de julho.

No ano seguinte, em 1876, recebeu a nomeação para comissário do setor agrícola da Exposição de Filadélfia, que comemorava o centenário da independência dos Estados Unidos da América. A essa missão a portaria acrescentava a incumbência de estudar a cultura da vinha, do algodão e do tabaco. Porém, uma mudança de ministério obrigou-o a um regresso precipitado sem haver concluído as necessárias pesquisas.

A par da atividade profissional, nunca descurou o interesse pela cultura portuguesa colaborando em jornais e revistas com crónicas sobre ópera, pintura e literatura. Nesse âmbito participou na comissão executiva do centenário de Camões e foi delegado da Sociedade de Geografia nas comemorações de Calderón de la Barca.

Mas em 1882, quando já era professor catedrático de Microscopia e Nosologia Vegetal no Instituto Geral de Agricultura, viu-se finalmente provido na carreira consular, recebendo a nomeação para 1º cônsul em Newcastle, onde estivera Eça de Queirós que, entretanto, passara para a cidade de Bristol. Jaime Batalha Reis, abandonando o percurso docente e a agronomia, partiu em agosto do ano seguinte, com a família, para o novo posto, mantendo-se na carreira diplomática perto de trinta anos, até se aposentar em 1921.

A atividade como cônsul em Inglaterra centrou-se na defesa dos nossos interesses em África, estudando a fundo, para o bom desempenho dessa função, história e geografia. O reconhecimento, a nível oficial, do domínio dessa problemática valeu-lhe a nomeação, como perito, para a Conferência Anti-Esclavagista, que se realizou em Berlim de 1889 a 1891. O seu mérito como diplomata levou-o a desempenhar missões confidenciais em Berlim e Paris ligadas a dois problemas cruciais nesta época para Portugal – as negociações com a Inglaterra sobre África e a situação do nosso crédito na Europa. É no meio desta frenética atividade que recebe a notícia do suicídio de Antero. O texto que escreveu para o In Memoriam do seu amigo - “Anos de Lisboa: algumas lembranças” - será uma peça fundamental para a biografia do poeta e um importante testemunho sobre a geração a que pertenceu, enviado de Newcastle quatro dias antes da morte do seu outro amigo Oliveira Martins. Supomos que foi principalmente graças a esse texto e ao que veio a escrever sobre Eça, prefaciando as Prosas Bárbaras, que o nome de Jaime Batalha Reis voltou a ser reconhecido como um dos ativos elementos desta Geração. E no ano em que representava Portugal na Conferência Internacional para a Proteção da Fauna Africana, com onze dias de intervalo, morreu-lhe a mulher e o seu companheiro de muitos anos, Eça de Queirós.

Até à implantação da República continuou a manter uma intensa atividade. Já fellow da Royal Geographical Society, apresentou em 1895 uma comunicação “On The Definition of Geography as a Science [...]” que teve grande repercussão nos meios científicos. Na reunião da Association Scientifique Internationale d’Agronomie propôs um estudo sobre o trabalho agrícola e o emprego indígena nos países tropicais, sendo relator principal. Como ele próprio explicou, não se pretendia quantificar a mão de obra agrícola, mas estudar as condições da sua existência e o destino dos trabalhadores agrícolas na colónias e países tropicais.

Depois da implantação da República, Bernardino Machado chamou-o a Lisboa para participar na remodelação do ministério. Em julho é enviado como ministro plenipotenciário a S. Petersburgo, onde apresentou as credenciais a Nicolau II. Mas logo no mês seguinte regressou para desempenhar comissões em Paris e Londres. No fim do ano de 1813 é enviado de novo à Rússia como representante de Portugal nas comemorações da dinastia Romanov, levando consigo duas das filhas, Celeste e Beatriz. Foi assim apanhado no vórtice da Revolução de 1917 e envolvido nos acontecimentos diplomáticos que então ocorreram. Só em 1818 conseguiu sair por Murmansk.

Nomeado delegado plenipotenciário à conferência de Paz em Paris, e a seguir representante de Portugal na comissão que iria elaborar o Pacto da Sociedade das Nações, multiplicou a sua atividade pelas comissões a que pertencia, enviando para o respetivo ministro português numerosos relatórios sobre as matérias aí tratadas. No regresso a Portugal criou o Secretariado da Sociedade das Nações e lançou as bases da Associação Portuguesa para a Sociedade das Nações, de que viria a ser vice-presidente.

Só se aposentou em agosto de 1821, depois de uma cirurgia aos dois olhos. Retirou-se para a Quinta da Viscondessa, no Turcifal, com as duas filhas solteiras, para se poder dedicar à sua “filosofia”, que no dizer do amigo Viana da Mota se chamaria Explicação do Universo. Mas a aterradora visão dos 19 armários da sua sala de trabalho, repletos de milhares de cartas e rascunhos, tornou-o incapaz de levar a tarefa a bom porto. Seria a filha Beatriz quem, após a sua morte, em 1935, organizou pacientemente o Espólio, oferecendo-o depois à Biblioteca Nacional.

Fontes e Bibliografia

  • Espólio Jaime Batalha Reis (Esp.E4) BN:ALPC.;
  • Cartas Inéditas de Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Batalha Reis [...] (intr., coment. e notas de Beatriz Berrini), Lisboa: Ed. “O Jornal”, 1987;
  • Correspondência entre Antero de Quental e Jaime Batalha Reis. (int., org. e notas de M. Staack) Lisboa: Assírio e Alvim, 1982;
  • Costa, Fernando Marques da, "Sobre um possível Jaime Batalha Reis [...]", Revista da Biblio­teca Nacional, Lisboa, 3 (1-2), 1983;
  • Cunha, Isabel Férin, "Sobre a estante de Jaime Batalha Reis: o homem e o seu círculo", Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, S.2, 8 (2) 1993;
  • Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis: cartas e recordações do seu convívio. ( colig. e apres. por Beatriz C. Batalha Reis) Porto: Lello & Irmão Ed.,1966;
  • Quental, Antero de, Cartas I e II. (org., int. e notas de Ana Maria Almeida Martins) Lisboa: Universidade dos Açores/Ed. Comunicação, 1989.

 

  • Espólio Jaime Batalha Reis (Esp.E4) BN:ALPC.;
  • Antero de Quental: In Memoriam, Lisboa: Presença/Casa dos Açores, 1993, (facsimile);
  • Batalha Reis na Rússia dos sovietes [...]. (análise crítica, recolha e notas de J. Palminha da Silva) Porto: Afrontamento, 1984 ;
  • Carreiro, José Bruno, Antero de Quental, subsídeos para a sua biografia, Lisboa: Ed. do Inst.de Ponta-Delgada, 1948;
  • Cartas Inéditas de Eça de Queiroz [...] (intr., coment. e notas de Beatriz Berrini), Lisboa: Ed. “O Jornal”, 1987;
  • Correspondência entre Antero de Quental e Jaime Batalha Reis. (int., org. e notas de M. Staack) Lisboa: Assírio e Alvim, 1982;
  • Correspondência de J. Batalha Reis para Barbosa Du Bocage. (int., org. e notas de Alice Godinho Rodrigues) Lisboa: INIC, 1990;
  • Costa, Fernando Marques da, "Sobre um possível Jaime Batalha Reis [...]", Revista da Biblio­teca Nacional, Lisboa, 3 (1-2), 1983;
  • Cunha, Isabel Férin, "Sobre a estante de Jaime Batalha Reis: o homem e o seu círculo", Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, S.2, 8 (2) 1993;
  • Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis: cartas e recordações do seu convívio. ( colig. e apres. por Beatriz C. Batalha Reis) Porto: Lello & Irmão Ed.,1966;
  • Garcia, João Carlos, "Jaime Batalha Reis, geógrafo esquecido", Finisterra, Lisboa, XX, 49, 1985;
  • Marinho, Maria José, "A 'Revista Ocidental', 1875: um projecto da Geração de 70", Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, S.2, 7 (1) 1992;
  • Queiroz, Eça de, Prosas Bárbaras. Porto: Liv. Char­dron, 1903;
  • Quental, Antero de, Cartas I e II. (org., int. e notas de Ana Maria Almeida Martins) Lisboa: Universidade dos Açores/Ed. Comunicação, 1989,
  • Reis, Jaime Batalha, Descobrimento do Brasil Intelectual pelos Portugueses do Século XIX. (org., pref. e notas de Elza Miné), Lisboa: Publ. D.Quixote, 1987,
  • Exmo Snr. Marques d'Avila e Bolama, Porto, Tip.Comercial, 1871;
  • Estudos Geográficos e Históricos, Lisboa: Agência. Geral das Colónias, 1941;
  • Revista Inglesa: crónicas. (org., int. e notas de Maria José Marinho), Lisboa: Publ. D.Quixote/BN, 1988;
  • Rodrigues, Alice Godinho, Jaime Batalha Reis geógrafo, historiador, político e diplomata, Porto: [s.n.], 1988;
  • Santos, Andrade, Batalha Reis no Turcifal, Torres Vedras: Tip. A União; Serrão, Joel, O primeiro Fra­dique Mendes, Lisboa: Liv. Horizonte, 1985.