«A ideia de uma formação totalizante e geral finou»

Cursos a Distância 

- Entrevista com Luís Carmelo, escritor, ensaísta e professor universitário, responsável por quatro dos 14 cursos em linha do Instituto Camões - Laboratório de Escrita Criativa (dois cursos, sendo um de nível avançado), Laboratório de Escrita para Jornalistas e A Novíssima Poesia Portuguesa e a Experiência Estética Contemporânea.

Número 124   ·   9 de Abril de 2008   ·   Suplemento do JL n.º 979, ano XXVIII

Luís Carmelo● É mais difícil ou mais fácil o processo de acompanhamento dos alunos a distância? Que problemas específicos coloca?

Não colocaria a questão no binómio facilidade vs dificuldade. A cada terreno a sua entrega. Preferia referir-me à eficácia. Tenho descoberto com os anos imensos benefícios no ensino em comunidade virtual, ao mesmo tempo que tenho vindo a desmistificar, na prática e no terreno, a ideia falsa que entrevê apenas no regime presencial a presença de emoções, afectos e outras formas de motivação mais imediatas. Para mim, o acompanhamento de uma comunidade virtual pode ser tão ou mais eficaz que o regime clássico. Tudo depende do modo com que se organiza o grupo, dos tipos de confiança gerados e dos modos necessariamente variados de comunicação que se imprimem. Eu, por exemplo, sempre preferi a escrita como forma de proximidade privilegiada e nunca optei por dispositivos síncronos de teor visual (mais bombásticos, mas porventura menos eficazes se forem tomados como um fim em si mesmos). Trata-se de uma escolha estratégica que redobra exigências mútuas, mas que, por outro lado - como escreveu Merleau-Ponty -, possibilita fundir o sentido libertado no discurso com o sentir de quem se enuncia e liberta nos textos. Esse aparecer do sujeito, isto é, de um "eu sou" real que se sabe a sós com tempo e antecâmara para se expressar, é um dos aspectos fulcrais destas nossas oficinas. Mais: esta quase auto-revelação individual está, a todo o momento, a ser complementada com a presença do outro. É evidente que um coordenador, ao longo das muitas semanas de cada curso, tem que estar sempre disponível para acompanhar as empatias, as inquietações e as muitas dúvidas de cada formando... com atenção cirúrgica e empenhada. Daí que, sem fugir à sua pergunta, lhe deva por fim responder de maneira directa: sim, é difícil, por vezes mais difícil e cansativo do que o regime presencial. Mas vale muito mais a pena. É bem mais reconfortante. E até compensador.

 

Alguns dos cursos a distância estão já integrados no processo de Bolonha, outros não. Há vantagem na generalização deste tipo de creditação?

Sem dúvida nenhuma. Mas permita-se-me uma breve reflexão sobre o tema: há dez anos, orientar mestrados era algo denso, lento e profundo. Na prática, orientar doutoramentos ou mestrados era praticamente o mesmo. A entrada de Bolonha em cena fez com que os mestrados diminuíssem a sua densidade e alcance. Hoje em dia, uma tese, uma monografia ou um projecto do segundo ciclo corresponde a uns 30 créditos ou pouco mais dos 120 totais (e enquadra apenas umas 50 páginas de trabalho). Daí que, colocando, para já, de lado os Laboratórios de Escrita Criativa de nível introdutório e os Laboratórios de Escrita para Jornalistas, devo confessar que, quer sobretudo o curso sobre A Novíssima Poesia Portuguesa e a Experiência Estética Contemporânea, quer também, de algum modo, os Laboratórios de Escrita Criativa de nível avançado mereceriam, com inteira justiça, uma calculada creditação. O tipo de conteúdos do curso A Novíssima Poesia... não desmereceria um montante entre 10 a 12 créditos em Mestrado, enquanto o nível avançado dos Laboratórios de Escrita poderia, perfeitamente, encaixar-se nos 4 a 6 créditos (do nível do primeiro ciclo, ou seja, de Licenciatura). Os dois primeiros cursos de nível introdutório, tendo em conta as Unidades Curriculares homólogas que criei, e/ou de que propus creditação em Conselho Científico [da Escola Superior de Design/IADE], mereceriam os créditos de uma qualquer Unidade Curricular de primeiro ano do primeiro ciclo (ou seja, uns 3 créditos) Estou, portanto, ciente de que este processo de equiparação, com mais ou menos morosidade, dependendo da realização de protocolos adequados, acabará por vingar. Por muita normalização mediana que Bolonha possa ter significado, a verdade é que tem uma virtude inigualável: o facto de cada formando poder gerir a sua própria agenda de créditos, e, portanto, a estratégia da sua própria formação.

 

São estes cursos ponto de partida para os alunos procurarem o aprofundamento da sua formação em instituições formais de ensino superior nas mesmas áreas.

Em muitos casos, a experiência tem mostrado que existem sobretudo vasos comunicantes que dialogam entre as nossas formações e os distintos regimes adoptados no ensino superior. Hoje em dia, e no futuro cada vez mais, as formações tenderão a ser continuadas, parceladas e variadas. A ideia de uma formação totalizante e geral finou. E ainda bem que assim é. As nossas formações incluem-se nesse espírito, a par, aliás, do que vai acontecer, nos próximos decénios, em todas as universidades. Os próprios dados demográficos determinam uma convergência entre a pesquisa em torno de especialidades e o aprofundamento gradativo ao longo do tempo (e da idade). O mercado de trabalho, cada vez mais exigente, também convida à flexibilidade e à formação contínua. Daí que não reveja as nossas formações como "ponto de partida", mas antes como media res actuante, interventivo e desafiador.

 

Atendendo aos cursos que ministra a pergunta impõe-se: há candidatos a escritores entre os seus alunos?

Certamente. Nos diversos cursos de Escrita Criativa que já coordenei, poderia aqui referir, com toda a segurança, uma boa dezena de pessoas que levaram a cabo, com distinção ímpar, o trânsito do nível introdutório para o nível avançado dos Laboratórios de Escrita Criativa. Alguns deles já tinham publicado livros antes da primeira matrícula. Neste momento, há uma ex-aluna que está a dar a volta ao mundo e que escreve lindamente. Como bastantes outros que recorrem a blogues e que se encontram nos quatro cantos do mundo: em Angola, no Brasil, na Coreia, na Austrália, mas também, claro está, no nosso encantado rectângulo. A Norte e a Sul. Prefiro não dizer nomes. Por agora.