Fado herético

Rodrigo Leão a abrir em Madrid, a 2 de Novembro, e a fechar em Barcelona, a 24 (v. texto neste suplemento). Os Deolinda a fechar, em Madrid, a 23. Duas declinações possíveis da música ‘popular’ portuguesa, por contraponto à música estritamente erudita, para os espectáculos agendados para a VII Mostra Portuguesa em Espanha.

No meio estará, a 4 de Novembro, na sala Galileo Galilei, de Madrid, o «espectáculo de sons e palavras» do Trio Nua, de Mû, de seu nome Oli Silva, da Guiné Bissau, e o fado, com um concerto de Cristina Branco, a 10 de Novembro, com a particularidade de a primeira parte ser feita por uma fadista… espanhola.

María Berasarte, uma basca de San Sebastian, rejeita a designação, preferindo o de «cantora». O fado que canta, e que gravou em disco (Todas las horas son viejas, o seu primeiro CD), lançado no Verão deste ano, apresenta algumas ‘heresias’. Primeiro, os 11 temas tradicionais de Lisboa são cantados em castelhano, apesar dos poemas terem sido escritos na língua de Cervantes por um letrista português (Tiago Torres da Silva). Depois, o disco não apresenta guitarra portuguesa. A justificação é que se a guitarra portuguesa estivesse presente «não teríamos nada de novo para oferecer». Mas compensa essa ausência com a guitarra clássica de José Peixoto, também director musical do projecto, o contrabaixo de Carlos Bica, o piano e acordeão de Filipe Raposo, a bateria e percussão do uruguaio Guillermo McGill e a colaboração especial da guitarra flamenca de Jose Luis Montón.

«Queria fazer algo mais ibérico», explica a cantora basca que já trabalhou com grandes nomes da música de Espanha. E conseguiu. Ouça-se a sonoridade do registo, «considerado pela crítica como um dos melhores discos de fado gravados por uma voz estrangeira», segundo a imprensa.

O espectáculo de Madrid vai ter duas partes, mas é possível que a cantora espanhola, que faz a primeira parte acompanhada por músicos espanhóis, cante algum fado em conjunto com a fadista portuguesa. O concerto de Berasarte, que considera uma honra a sua participação na Mostra Portuguesa, será um resumo do disco, mas vai incluir uma homenagem à sua terra, o País Basco, naquilo que a cantora descreveu como uma «ida às raízes bascas». Antes de chegar ao fado, aquela que a si mesma se considera como uma ‘cantante de las calles’ interpretou flamenco e jazz.

«Heresia, dirão alguns. Difíceis de classificar, dirão outros. Novo e muito belo, digo eu», escreveu Carlos do Carmo sobre os fados de María Berasarte.

 

Encarte Camões no JL n.º 144

Suplemento da edição n.º 1019, de 21 de outubro a 3 de novembro de 2009, do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias