Festlip reúne 11 companhias no Rio de Janeiro

Número 140   ·   1 de Julho de 2009   ·   Suplemento do JL n.º 1011, ano XXIX

 

Teatro Lusófono

O absurdo é de alguma forma o tema dos espectáculos com que dois grupos teatrais portugueses – Primeiros Sintomas e Artistas Unidos – se apresentam na 2ª edição do Festival de Teatro da Língua Portuguesa (Festlip), que se realiza de 1 a 12 de Julho no Rio de Janeiro.

EncarteAo todo, 11 companhias de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal vão participar no Festlip, um festival que na sua 1ª edição, em 2008, atraiu 15 mil pessoas à rede de teatros do SESC (Serviço Social do Comércio) do Rio de Janeiro, ao longo de 12 dias de representações, «possibilitando um dinâmico intercâmbio cultural do público com artistas» de países lusófonos, segundo os organizadores.

Na edição deste ano, o Troféu Festlip será entregue ao escritor moçambicano Mia Couto, que proferirá uma palestra a 3 de Julho no Teatro SESC Ginástico, com o tema ‘Metamorfose da Literatura para o Teatro’. Em 2008, a homenageada foi a actriz Maria Fernanda, considerada uma das grandes damas do teatro brasileiro.

A atribuição do galardão a Mia Couto deve-se, segundo os organizadores, à sua «expressiva contribuição» para o aperfeiçoamento do teatro moçambicano, para além dos seus contos, crónicas e romances amplamente adaptados para o teatro nos países de língua portuguesa.

Mar me quer, texto de Mia Couto, será representado no Festlip pelo Grupo Tijac, numa encenação Mickael Fontaine, em representação de Moçambique, que terá no festival ainda a presença da popular companhia M’Béu, com o espectáculo O homem ideal, com texto e direcção de Evaristo Abreu.

O grupo português Primeiros Sintomas, uma estrutura de produção teatral que «funciona mais ou menos como uma companhia», graças a uma «equipa recorrente», na expressão do encenador Bruno Bravo, leva ao festival Lindos Dias (Happy Days), um texto de teatro do absurdo de Samuel Beckett, com dramaturgia de Miguel Castro Caldas, que estreou em Fevereiro passado no ‘Espaço Negócio’ da Galeria Zé dos Bois, espectáculo desde então em itinerância por Portugal.

No dizer de Bruno Bravo, a participação no Festlip fez-se por «contacto directo» da estrutura promotora do festival, a Talu Produções e Marketing, uma empresa criada pela actriz e produtora cultural Tânia Pires e pela jornalista a publicitária Luciana Rodriguez. À primeira coube a ideia do Festlip, na sequência de uma viagem a Moçambique, um dos países lusófonos de mais enraizada tradição teatral.

Segundo Bruno Bravo, ao grupo português foi pedido um espectáculo com um número de actores que não fosse muito grande e de fácil montagem, critérios que Lindos Dias satisfaz, pois trata-se de «quase um monólogo» de uma mulher (Winnie) que, enterrada num descampado pela cintura e depois pelo pescoço, evoca «histórias antigas – restos, bocados do que se adivinha ter sido o seu passado – num discurso imperfeito, pautado pelas imprecisões da linguagem e da memória e pontuado de vez em quando pela presença de Willie», o seu marido.

 

Condicionantes

Também minimal é a estrutura da peça Uma Solidão Demasiado Ruidosa, com base na novela homónima do escritor checo Bohumil Hrabal, apresentada pelos Artistas Unidos, com encenação e interpretação de António Simão. Publicada clandestinamente em 1977 na então Checoslováquia, Uma Solidão Demasiado Ruidosa apresenta-se como um «monólogo barroco», que nos transporta «ao ambiente amarelecido e cru da Checoslováquia de Kafka, afinal símbolo universal do absurdo existencial que povoa as nossas vidas», segundo a sinopse da peça, interpretado a solo por António Simão pela primeira vez em 1997, reposta em 2000 no Espaço ‘A Capital’, no Bairro Alto, em Lisboa, e novamente em 2007, na antiga cadeia das Mónicas, tendo realizado ao longo dos anos mais de 60 espectáculos em digressão por mais de 20 teatros, segundo o encenador.

EncarteA escolha desta peça – que recebeu o prémio de melhor interpretação dramática em ‘Madrid, Capital Ibero-Americana da Cultura/1998’, entre 28 países – para participar no festival resultou, no dizer de António Simão, do facto de ser «a única ou a que melhor se adaptava, no momento, às necessidades que o convite do Festlip nos impunha e às condicionantes actuais que a companhia Artistas Unidos dispunha». Acresce que, «desde a sua criação, este espectáculo foi pensado para uma longuíssima carreira (…), pela sua extrema simplicidade (quer técnica quer artística), pelos temas e pela estética que evoca».

Para o festival, de Angola, o Grupo Horizonte Nzinga Bandi traz o espectáculo Sobreviver em Tarrafal, com de texto António Jacinto e direcção de Adelino Caracol, e o consagrado Elinga Teatro Kimpa Vita – A profetisa ardente, com texto e direcção de José Mena Abrantes.

O país anfitrião apresenta os espectáculos Complexo sistema de enfraquecimento da sensibilidade (com texto e direcção de Ruy Filho), pelo Teatro Antroexposto – São Paulo, e Cortiços (concepção da Companhia Luna Lunera e de Tuca Pinheiro, que assegura a direcção) pelo Teatro Luna Lunera – Belo Horizonte.

O Grupo de Teatro do Centro Cultural Português, com o espectáculo No Inferno (texto e direcção de João Branco) e o Grupo Projecto F´Acto, com a peça Um homem, uma mulher e um frigorífico (texto de Mário Lúcio Sousa e direcção de João Paulo Brito), representam Cabo Verde.

A Guiné-Bissau, país ausente em 2008, estará presente através do GTO – Grupo de Teatro do Oprimido, com o espectáculo NÓ MAMA - Frutos da mesma árvore”, concepção colectiva da companhia de Bissau, com direcção de Bárbara Santos.

«O primeiro Festlip foi um dos mais relevantes momentos de defesa da língua portuguesa no Brasil», afirmou o conselheiro cultural da embaixada de Portugal no Brasil e director do Centro Cultural Português/Instituto Camões no país, o músico Adriano Jordão.

Em declarações à Agência Lusa, o pianista português considerou que o Festlip, um dos mais importantes eventos anuais da comunidade lusófona no Brasil, «foi um exemplo claro da universalidade da nossa língua comum».

O festival é apoiado pelo Ministério brasileiro da Cultura, Fundação Nacional de Artes (Funarte), CPLP, Instituto Camões e pelas embaixadas de Angola, Cabo Verde, Moçambique e Portugal.

Na avaliação da directora artística do Festlip, Tânia Pires, esta 2ª edição reafirma que «é possível um encontro de irmãos de língua tornar-se um lugar para uma comunicação sem fronteiras». «No Festlip 2008, ficou claro que a unificação da língua falada é algo intangível. A peculiaridade das expressões e vocabulários é a referencia mais forte de um povo e é dessa forma que eles se despem e se apresentam. Essa distância só tem um caminho a ser quebrado, o intercâmbio cultural entre esses países», consideram os organizadores.