Instalação coreografada

Long Distance Call no Festival Plateaux em Frankfurt

Quando é que a ‘não dança\' é dança? Quando é dança de objectos, e os objectos no seu movimento coreografado nos vão contando e mostrando algo. A trilogia sobre «relações amorosas, cidades e objectos», que Rafael Alvarez está a concluir com a produção ainda em curso da sua terceira parte - Long Distance Call -, para apresentar, com o apoio do Instituto Camões, em Frankfurt, no Festival Plateaux, na Künstlerhaus Mousounturm, a 23-24 de Abril, promete ser um espectáculo em que, se a dança é o ponto de partida, a ‘instalação animada\', quase no sentido etimológico que esta última palavra tem, parece ser o ponto de chegada, a crer nos dois primeiros espectáculos.

Número 137   ·   8 de Abril de 2009   ·   Suplemento do JL n.º 1005, ano XXIX

Long Distance Call
Foto Márcio Dias
Depois de Última Chamada, em 2005/2006, e Colecção Privada, em 2007, espectáculos que desde então têm vindo a circular, sobretudo o primeiro, Rafael Alvarez, um dos coreógrafos associados da EIRA, conclui um projecto que nas suas intenções pretende questionar «a própria definição de dança nos dias de hoje» - ou seja, visto por quem está de fora, a aparente ‘pouca dança\' que parece haver nestes seus espectáculos.

«A mim interessa-me principalmente entender e trabalhar o que é a coreografia», explica Alvarez, que a si mesmo se define como performer e «coreógrafo na área da dança», mas que também desenvolve trabalho na área das artes plásticas.

A coreografia, diz, «é um bocadinho a gestão do movimento no espaço», «um trabalho de arquitectura, de movimento do corpo no espaço». «Interessa-me mais essa linha de entendimento da dança e não propriamente apenas de um entendimento mais linear de dançar. Interessa-me esta ideia de movimento no espaço, que pode ser produzido pelo corpo, que pode ser produzido pela imagem, pelos objectos. Interessa-me esta ideia de coreografia no sentido quase de uma ferramenta».

Os objectos usados nos espectáculos, frisa Alvarez, não são adereços do universo do teatro. São «objectos do dia-a-dia», que foi recolhendo, permitindo construir uma «espécie de colecção privada de objectos» que traduzem os conceitos que o criador quer trabalhar. «É um trabalho que está próximo do auto-retrato, embora não sejam auto-retratos concretos. Mas tem uma dinâmica próxima dessa leitura. Até porque foram dois solos», sublinha.

As colecções de objectos da trilogia «estabelecem com os intérpretes e com o movimento, com a coreografia, várias narrativas visuais», explica Alvarez, que define os espectáculos como «alguma coisa entre a dança e uma instalação». Embora mantenham a relação palco-público, «são quase que organizações coreográficas destes objectos no espaço. Portanto, é um trabalho muito visual».

Long Distance Call
Imagem de vídeo de André Uerba para Long Distance Call
No entanto, Long Distance Call, que prossegue «a metodologia com os objectos» e o tema geral sobre «relações amorosas, espaços urbanos e viagens», traz a novidade de incluir mais dois intérpretes - o espanhol André Uerba, responsável também pela parte de vídeo do espectáculo, e o neo-zelandês Solomon Holly-Massey, que reside em Berlim, seleccionado em Lisboa entre 90 candidatos. A inclusão de mais dois intérpretes não representa o abandono da matriz solipsista. «Apesar de estas três pessoas estarem em palco, estes três corpos diferentes, a minha ideia é que traduzam sempre a mesma pessoa. É quase que um desdobramento da minha pessoa».

Sendo uma trilogia, os três espectáculos não dependem uns dos outros. E embora todos pensados desde o início, a concretização da última peça é possível porque tem uma co-produção do Festival Plateaux, em Frankfurt, que financia a criação e a circulação do projecto. Isso permite a Rafael Alvarez não só reunir uma equipa mais alargada, como desenvolver o trabalho em duas residências de pesquisa/criação em Lisboa e Frankfurt.

O interesse do Plateaux em co-produzir Rafael Alvarez surgiu quando o coreógrafo português apresentou Última Chamada numa plataforma de dança europeia, em Frankfurt, em 2008. Logo aí houve interesse dos programadores no seu trabalho e a disponibilidade para o incluir nas suas cerca de seis co-produções anuais de 2009 com criadores internacionais, até porque o Festival «não é concretamente na área da dança, do teatro, nem do vídeo», «é um festival de novas tendências na área da performance». «São tudo o que são cruzamentos disciplinares», sintetiza Alvarez, ou seja, aquilo precisamente que ele faz.

Sendo a produção executiva da EIRA, a estrutura fundada em 1993 em apoio do coreógrafo Francisco Camacho, que tem hoje em dia no seu núcleo artístico outros nomes como Carlota Lagido, Sara Vaz e o próprio Alvarez, outro co-produtor de Long Distance Call é o Festival Temps d\'Images, de Lisboa, onde será apresentado em Novembro, em razão do forte carácter visual do espectáculo e de o vídeo fazer parte do dispositivo cénico e de este último festival ser dedicado à «ideia de cruzamento entre artes do corpo e a imagem», refere Alvarez.

Em anteriores espectáculos seus, o coreógrafo, que se dedica igualmente na EIRA à formação na área da dança para a comunidade, é também o criador dos ambientes sonoros e das imagens projectadas. Tendo entregado neste espectáculo as imagens a André Uerba, mantém a responsabilidade da banda sonora, até porque, diz, não só «o som e a música são elementos centrais» no seu trabalho, como «a relação com a coreografia parte muito do som».

Já o vídeo de Uerba «vai funcionar um pouco como funcionam os objectos», afirma.

«É um elemento que permite mais uma leitura sobre as ideias e as imagens que eu estou a colocar no espaço. [...] Algumas vezes sublinha uma ideia, por outras vezes desvia uma única leitura para uma ideia ou uma acção que nós estamos a desenvolver em palco». «Gosto de pensar no vídeo como mais um objecto, da mesma forma que penso o corpo como mais um ‘objecto de leitura\'».

Embora situe o seu trabalho de doze anos na área da dança contemporânea, a Rafael Alvarez interessa «tudo o que são as zonas de cruzamento disciplinar, todas as zonas entre dança e outras áreas artísticas». «Os meus próprios trabalhos [...] estão no circuito da dança, mas vivem ou reflectem esse meu interesse do cruzamento das disciplinas. Estão muito próximos algumas vezes das artes visuais, da instalação, da performance», acrescenta, antes de referir que a falta de tradição de ter em Portugal «uma área disciplinar a que chamamos performance» leva a que a dança contemporânea albergue esse lado do cruzamento disciplinar».