«Não caiam na esparrela…»

Júlio Pereira admite que o sintetizador seja «o instrumento musical mais contemporâneo» que existe. Ele próprio, que está na casa dos 50, já nasceu com a guitarra eléctrica que tocou logo aos 10 anos. E, no entanto, isso não quer dizer que todos os outros instrumentos musicais «morressem». «Antes pelo contrário», garante.

Número 137   ·   8 de Abril de 2009   ·   Suplemento do JL n.º 1005, ano XXIX

Júlio PereiraA prova teve-a com o bandolim Júlio Pereira, um músico que tem no seu activo a recuperação do cavaquinho, que «já tinha morrido há montões de anos».

 

«Apareceu um maluco de Lisboa, que por acaso até fui eu, interessei-me por aquele instrumento, por algum motivo fiz um disco, esse disco ganhou ‘n’ prémios, foi um disco hiper-conhecido e de repente o que é que acontece: abrem-se escolas, houve mais construtores a fazê-lo e cresce uma mini-indústria desse instrumento».

 

Quanto ao bandolim, Júlio Pereira, que em 1992 consagrou um disco a este instrumento, que aprendeu a tocar com o pai, pensava que ele «tinha morrido». Que maior evidência dessa morte senão o desaparecimento de agrupamentos como aquele que figurava numa fotografia de 1918, tirada na Madeira, que lhe ofereceu na altura Benjamin Pereira, do Museu de Etnologia, em que se viam «seguramente 60 pessoas a tocar bandolim»?

 

«Até há meia dúzia de anos, eu dizia publicamente que o bandolim tinha morrido, porque aquela orquestra já tinha morrido», explica. «Qual não é o meu espanto quando, na net, exactamente há dois anos, vou descobrir a mesma configuração, o mesmo número de pessoas, e até alguns instrumentos que, em 1918, foram feitos por um construtor qualquer que teve a ideia», como acontecia com um dos baixos que acompanhava esta bandolinata, uma viola baixo muito grande, tocada na vertical, como se fosse um contrabaixo, e com um braço do contrabaixo. O construtor «colou aquelas duas coisas, fez um instrumento novo e qual não é o meu espanto – diz Júlio Pereira – quando, há dois anos », lá estava aquele baixo numa fotografia na net. «Não só descobri que a mesma orquestra existe, como é só constituída por jovens».

 

 

«E é aí que me dou conta de que a televisão, os media não me dão de todo a verdade sobre o que é que anda a acontecer no mundo», diz Júlio Pereira, que tem vindo a descobrir na internet a existência de mais grupos e tunas com bandolins e outros instrumentos, como a viola campaniça.

 

A intervenção de músicos nestes processos parece ser crucial. «A sanfona não existia muito. Há muitos mais anos que o cavaquinho. Mas de repente aparece o Fernando Meireles, em Coimbra, não só tocador como construtor, põe-se a construir e, de repente, já tem não sei quantas pessoas a querem estudar e tocar, a construir mais, até para fora. Outros exemplos existem, até com a gaita-de-foles, através do Paulo Marinho, dos Sétima Legião. Mais o trabalho do Pedro Caldeira Cabral».

 

«É bom que as pessoas não caiam na esparrela em que eu próprio caí há uma década», deixa em tom de aviso