«O dia só tem 24 horas»

Língua Portuguesa no Senegal

Quando se olha para ele, a imagem do «missionário» vem imediatamente à ideia. Magro, moreno, barba negra cerrada, sorriso contido, falar pausado e convicto. José Horta (n.1951 no Lubango, Angola) é desde 2005 leitor de Língua e de Cultura Portuguesa na Universidade Cheikh Anta Diop (UCAD) no Senegal, onde já estivera nas mesmas funções entre 1998 e 2003.

Número 128   ·   30 de Julho de 2008   ·   Suplemento do JL n.º 987, ano XXVIII

Senegal
Dacar, Senegal. Participação do Leitorado de Português na Festa de Carnaval da Universidade Cheikh Anta Diop
A sua principal dificuldade, segundo afirma, «reside no facto de, havendo tanto para fazer, o dia só ter 24 horas». Um lamento compreendido quando descreve a sua actividade, em grande parte absorvida pelas aulas na Faculdade de Letras (onde lecciona seis disciplinas, uma das quais num curso de pós-graduação) na FASTEF (três disciplinas) e no Centro de Língua Portuguesa (CLP). No total são 20-22 horas semanais. Mas há ainda a preparação das aulas, a correcção de cerca de 700 provas por semestre, os exames, o acompanhamento de teses de fim de curso, a observação de aulas de professores estagiários.

Estas tarefas não esgotam a actividade de José Horta que é ainda responsável pela gestão e coordenação das acções extracurriculares do CLP dirigidas a professores e alunos do liceu, que obrigam a acções de formação e visitas a escolas espalhadas pelo Senegal, e aos estudantes da UCAD, mas abertas ao público. Há ainda que organizar exposições, conferências e ciclos de cinema, comemorações de datas, as representações levadas a cabo pelo grupo de teatro do CLP e um programa semanal de rádio. As «Olimpíadas de Português» realizadas este ano em 10 das 11 regiões do Senegal reuniram, na sua parte final em Dacar, várias dezenas de alunos e respectivos professores.

Senegal
Ziguinchor, Senegal. Participantes em acção de formação para professores de PLE
A tudo isto há que somar o leitorado de Abidjan, na Costa do Marfim, exercido em regime de acumulação e obrigando a deslocações regulares àquele país.

No entanto, exceptuando a falta de tempo, José Horta não se queixa. «Em quase todos os aspectos do quotidiano, é fácil a vida no Senegal», embora viver em Dacar exija «uma aprendizagem de convivência com o lado (aparentemente) caótico da cidade». «Falo, evidentemente, do ponto de vista de um europeu, que tem acesso a todos os bens essenciais e, pelo menos, a alguns dos bens supérfluos do dia-a-dia».

Este professor da Escola Matilde de Rosa Araújo, em Matarraque (Cascais), licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, considera que «para se ter bons alunos, é importante aprender a ser professor».

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Dacar, Senegal. Olimpíadas de Português, 2008
A sua experiência no estrangeiro começou quando esteve na Universidade de Valência, como leitor de Língua e Cultura Portuguesa do ICALP (Instituto de Cultura e Língua Portuguesa), entre 1986 e 1990. Seguiu-se a Bélgica (universidades de Mons e Liège), nos anos lectivos de 1991-92 a 1996-97.

Em 1997 vai para Bissau, mas só aí lecciona durante um ano, até 1998 (início da crise e saída do Presidente Nino Vieira). É então que, regressado a Lisboa, vai numa primeira missão a Dacar, aí permanecendo até 2003. Nos dois anos seguintes, até concorrer ao leitorado de Dacar, desloca-se como bolseiro em trabalho de pesquisa à capital do Senegal. O seu trabalho de investigação situa-se na didáctica do Português Língua Estrangeira, centrando-se no ensino da Língua Portuguesa no Senegal.

«Sempre me considerei um privilegiado, por ser leitor de Português e por trabalhar naquilo de que mais gosto, em países que sempre me acolheram bem».