«O poeta holandês»

Festival Fernando Pessoa em Utreque

Um festival dedicado a Fernando Pessoa (1888-1935) decorre este mês na Holanda, promovido pela fundação cultural ‘Poëziecircus\', com declamação de poesia, teatro, cinema, exposições e o lançamento do primeiro grande estudo dedicado ao poeta português em holandês.

Número 136   ·   11 de Março de 2009   ·   Suplemento do JL n.º 1003, ano XXVIII

«O poeta holandês»
Foto Merijn van der Vliet
Na sessão de abertura do festival, no teatro Kikker, em Utreque, a 1 de Março, estiveram presentes a sobrinha de Fernando Pessoa, Manuela Nogueira, o poeta Nuno Júdice, que leu poesia sua, nomeadamente Uma paisagem da Holanda, poema usado especialmente para o festival, bem como a cantora de jazz holandesa Denise Jannah, que interpretou textos do escritor português.

«Pessoa é extremamente conhecido na Holanda» e a sua «influência» na literatura e nas artes holandesas «foi enorme», afirma Michaël Stoker, professor universitário, organizador do festival (que tem o apoio do Instituto Camões) e autor do livro Fernando Pessoa: A ficção acompanha-me como a minha sombra, lançado durante o evento e que contém vários inéditos do espólio do poeta e «clarifica o que Pessoa escreveu acerca da Holanda e da Bélgica».

«Toda uma geração de poetas, escritores e artistas admitiu ter sido influenciada pelo escritor português», acrescenta Stoker, que refere o que escreveu o poeta e crítico holandês Rob Schouten: «não há poeta estrangeiro que tenha causado tanto impacto nos leitores holandeses como Fernando Pessoa». Schouten intitulou mesmo O poeta holandês Fernando Pessoa: trinta anos de influência ecuménica um artigo seu publicado em 2006 na revista ‘Atwater\'.

«O poeta holandês»«Nos últimos oito anos, quinze traduções de obras chave de Fernando Pessoa foram publicadas na Holanda», refere o professor de Literatura Portuguesa na Universidade de Utreque. Entre as traduções para holandês encontram-se a poesia dos heterónimos Alberto Caeiro, Álvaro Campos, Ricardo Reis, três volumes de cartas, Herostratus, O Banqueiro Anarquista e duas traduções diferentes do Livro do Desassossego. Antes disso, August Willemsen introduziu a obra de Pessoa na Holanda com uma «excelente antologia» da sua poesia, publicada em 1979, que teve 13 reedições.

A nova obra de Stoker, que entre vários tópicos examina o lugar do poeta português na história literária europeia e a relevância da sua obra para a literatura contemporânea, inclui a publicação de alguns «inéditos do legado de Pessoa, incluindo dois atribuídos a heterónimos anteriormente desconhecidos», refere o académico holandês que prepara o seu doutoramento sobre o Livro do Desassossego.

«Um [dos heterónimos], chamado ‘Isaías Costa\', é particularmente interessante, uma vez que ele escreveu a frase enigmática: ‘O diabo? O diabo somos nós!\'», refere Stoker. «Nessa frase parece ouvir-se um eco da famosa frase do existencialismo literário ‘o inferno são os outros\'», escrita por Jean-Paul Sartre em Huis Clos, 25 anos depois da que Pessoa escreveu (aproximadamente em 1918), declara Michaël Stoker.

Além dos inéditos, o livro aborda também os textos escritos por Pessoa sobre a Holanda e Bélgica, em que o autor português classifica o primeiro país como «inferior» e o segundo como uma «pseudo-nação», revela Stoker, que refere outras passagens não muito abonatórias para os dois países feitas pelo poeta português.

No entanto, entre os papéis na posse da família de Pessoa e levados a leilão em Novembro passado, Stoker descobriu um documento em que o autor português «descreve o seu plano de publicar um dicionário em sete línguas, entre as quais o holandês».