Portugal: Literaturas africanas de língua portuguesa individualizadas em livros

Publicado em terça-feira, 07 fevereiro 2012 19:22

A enunciação dos problemas da identidade e das origens das literaturas comummente designadas como ‘africanas de língua portuguesa’, a par da sua abordagem a partir de «outros campos disciplinares», estão entre as principais aquisições da série de encontros académicos sobre a literatura dos ‘cinco’, realizados desde 2008, de que resultou a publicação de 4 livros.

«Do ponto de vista cultural e político, estes livros individualizam cada literatura e, ao estudá-la e nomeá-la per si, marcam uma posição no campo de estudos frequentemente identificado, lido e estudado no global sob a designação literaturas africanas de língua portuguesa», afirma a responsável deste projeto do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, a professora universitária Margarida Calafate Ribeiro.

Lendo Angola (organização de Laura Cavalcante Padilha e Margarida Calafate Ribeiro) e Moçambique: das palavras escritas (org. Margarida Calafate Ribeiro e Maria Paula Meneses) foram publicados em 2008, na sequência dos cursos de formação em Literatura Moçambicana e Literatura Angolana, organizados pelo CES, refere a titular da cátedra Eduardo Lourenço da Universidade de Bolonha, apoiada pelo Instituto Camões (IC). Em 2011, na sequência dos cursos de formação sobre as literaturas de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau, saíram Literaturas da Guiné-Bissau: cantando as novas da história (org. Margarida Calafate Ribeiro e Odete da Costa Semedo) e Literaturas Insulares – leituras e escritos de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe (org. Margarida Calafate Ribeiro e Sílvio Renato Jorge).

Ao fazerem a identificação de cada uma destas literaturas, como refere num artigo publicado no Jornal de Letras, de 25 de janeiro de 2011, Pires Laranjeira, professor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e de Culturas Africanas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, estes volumes «contrariam a tendência de hegemonização dos estudos literários pela renovada via de uma globalização estratégica, em que as particularidades se apagariam».

As obras recolhem um conjunto vasto de estudos e contribuições de investigadores e escritores de «várias gerações, disciplinas, geografias e lugares epistemológicos e de várias línguas, para além da língua portuguesa, que conseguiram abrir o campo tradicional das literaturas africanas de língua portuguesa a outros campos disciplinares tradicionalmente distantes, e que no espaço do CES encontraram o seu lugar de interrogação e reflexão», afirma Margarida Calafate Ribeiro, para quem uma das grandes riquezas dos livros reside precisamente em «colocar em diálogo uma quantidade apreciável de saberes e de perspetivas».

Para além dos organizadores de cada uma das obras, no núcleo de reflexão que esteve na origem destes livros Margarida Calafate Ribeiro refere José Luandino Vieira, Ana Paula Tavares, Inocência Mata, Pires Laranjeira, Phillip Rothwell, Roberto Vecchi, Francisco Noa, Carmen Lúcia Tindó Secco e José Sousa Ribeiro, da editora Afrontamento.

Uma importante questão levantada pelos livros, lançada pelo escritor angolano José Luandino Vieira e depois dinamizada por vários colegas, diz respeito ao «desafio que estas literaturas impõem ao paradigma das histórias da literatura europeia», sublinha Margarida Calafate Ribeiro. «Como fazer uma história da literatura de Angola, de Moçambique, de Cabo Verde, de S. Tomé e Príncipe, da Guiné-Bissau? Seguindo o paradigma do ‘mar manso’ - para citar [a escritora angolana] Ana Paula Tavares - das histórias da literatura europeia? Onde se começa? Com os primeiros textos escritos em língua portuguesa sobre o território ou há cem anos atrás?», equaciona a professora e investigadora portuguesa. Para Margarida Calafate Ribeiro, «estes livros não resolvem a questão, mas sugerem pistas e sobretudo enunciam o problema que, felizmente, tem vindo a ser objeto de reflexão em obras recentemente publicadas».

O projeto do CES foi apoiado pelo IC, pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e, parcialmente, pela Fundação Luso-Americana, que «possibilitaram as condições» para que os cursos se realizassem e que também «apoiaram a publicação» das obras, igualmente representativas de «um grande investimento científico da editora Afrontamento», segundo avalia Margarida Calafate.

O Colóquio Percursos, Trilhos e Margens: receção e crítica das Literaturas Africanas em Língua Portuguesa, organizado pelo CES em Lisboa, a 14 e 15 de julho de 2011, com o apoio do IC, FCG, CPLP, Embaixada de Angola e BPI foi palco do lançamento dos dois últimos volumes e, no dizer da investigadora portuguesa, o momento do «reconhecimento mais alargado de todo o projeto realizado», ao reunir «estudiosos destas literaturas de várias origens».