“Descobrimos bibliotecas vedadas para não se deteriorarem. O que trouxemos com este projeto é o oposto disso”

Publicado em sexta-feira, 22 maio 2020 10:38

5 perguntas a…

Helena Guerreiro, desde 2017 Adida para a Cooperação Portuguesa em Cabo Verde

O projeto “Dinamização de Bibliotecas Escolares", financiado pelo Camões, I.P. e implementado em articulação com os ministérios da Educação e da Cultura e Indústrias Criativas de Cabo Verde, já tem nove bibliotecas em funcionamento na ilha de Santiago, três na ilha do Fogo, uma na ilha da Brava, estando para breve a instalação de uma biblioteca escolar na Ilha do Maio. Com arranque efetivo em 2018 o projeto DBE aposta na criação de espaços-biblioteca apelativos e dinâmicos, que integrem a prática letiva dos professores e estejam equipados com recursos lúdico-pedagógicos que incentivem a aquisição de hábitos de leitura.

Como é o seu dia-a-dia enquanto adida para a cooperação em Cabo Verde?

Tenho a sorte de estar num contexto política e economicamente estável. Cabo Verde é apontado como um bom exemplo no continente africano. Creio que isto é uma vantagem bastante considerável. Portanto, acho que as minhas tarefas como adida são facilitadas. Isto tem repercussões positivas em vários aspetos, desde logo no diálogo com as autoridades nacionais. O nosso trabalho passa muito por isso e esta estabilidade política reflete-se nos nossos parceiros em Cabo Verde.

A nossa estratégia e o nosso programa de cooperação estão alinhados com as prioridades de Cabo Verde. Essa é uma identificação que é feita em resultado de um diálogo entre os dois países a um nível político mais elevado. O nosso programa de cooperação é identificado tendo em conta estas prioridades de Cabo Verde e as mais-valias da Cooperação Portuguesa em determinados setores. Há também uma complementaridade com outros parceiros de desenvolvimento, no sentido de evitar sobreposições e de maximizar as intervenções. Temos alguns setores de foco, como a educação, a saúde, a segurança, que integra a dimensão da justiça, da administração interna e da defesa, o ambiente e a solidariedade social.

No processo que começa em negociações políticas, como referiu, e passa depois por definição de projetos e da sua implementação, o trabalho de um adido para a cooperação é feito sobretudo já no terreno?

Ainda que eu esteja envolvida nas várias fases, incluindo nas negociações do programa estratégico plurianual, e que os adidos também sejam convidados a dar os seus contributos, a implementação é aquilo que acompanhamos mais de perto. Nós somos o braço operacional da Cooperação Portuguesa no terreno para o acompanhamento dos projetos. Isto passa pelo relacionamento com as autoridades locais, com o Camões, por troca de informação, por contributos para tentar dirimir algum constrangimento que um determinado projeto ou atividade possa apresentar. Passa muito pelo diálogo, pelo contributo de quem está no terreno e tem visão in loco do país, do contexto, e também do que os outros parceiros de desenvolvimento estão a concretizar. Essa é uma mais-valia muito importante. Depois há uma parte considerável de natureza política, que tem a ver com reuniões de coordenação com outros parceiros, em que cada parceiro dá conta dos programas em curso, e onde se coordena e estabelecem pontes. Isso concretiza-se com a União Europeia, que lidera o diálogo de cooperação em Cabo Verde com os Estados-membros. Há ainda um trabalho estratégico e de back office que tem reflexo nos projetos.

Qual o projeto em curso que destacaria, pelo seu impacto?

Nós temos um projeto que acarinhamos muito em particular. Ainda não se pode falar, com propriedade, em efeitos e resultados, porque começou em 2018. Resulta de um apelo que a ministra da Educação nos lançou para apoiarmos Cabo Verde na criação de uma Rede de Bibliotecas Escolares, que não existe, sabendo a experiência de sucesso que temos em Portugal. O projeto foi lançado em janeiro de 2018, mas começou a ser preparado antes. O projeto tem três vertentes: de equipamento – informático, mobiliário e livros –, pequenas intervenções no espaço quando necessário e, aquela que para mim é a mais importante podendo fazer a diferença relativamente a outros projetos nesta área e, também, no que concerne à sustentabilidade da ação que estamos a construir com as autoridades cabo-verdianas. Refiro-me à componente de formação e capacitação dos professores das escolas visadas pelo projeto, que pretende muni-los de ferramentas que os habilitem a incentivar os hábitos de leitura junto das crianças e jovens. A biblioteca é mais do que um espaço onde vamos, requisitamos um livro e ficamos sentados. É um espaço que pode e deve assumir uma clara ligação à sala de aula: uma experiência que, em Portugal, tem obtido excelentes resultados.

Essa é uma prática que não existe em Cabo Verde?

Não. Cabo Verde tem algumas bibliotecas que funcionam  de acordo com o que seria esperado porque integram um programa da UNESCO. Contudo, na preparação deste projeto, descobrimos espaços razoavelmente equipados que estavam vedados a alunos e professores com o argumento de que os respetivos recursos não se podiam deteriorar. O que trouxemos com este projeto é o oposto disso: [a biblioteca é] um espaço onde os miúdos podem brincar, ler, complementar a aprendizagem que começou em contexto de sala de aula. A vertente da formação foi assumida como central no projeto. Desde 2018, foram concretizadas duas formações, em gestão e organização da biblioteca com o apoio da Rede de Bibliotecas Escolares de Portugal, e outras cinco que, de natureza muito prática e didática, versaram sobre  técnicas e práticas pedagógicas de dinamização e dramatização da leitura e escrita criativa,.

Foram selecionadas nove escolas do ensino básico, porque considerámos que os mais pequenos são o público privilegiado para promover hábitos de leitura. Fazemos um balanço muito positivo destes dois anos de projeto porque consideramos que o projeto foi apropriado pelas escolas e as bibliotecas estão a funcionar em pleno, o que nos leva a crer que este projeto poderá converter-se na futura Rede de Bibliotecas Escolares de Cabo Verde. Consideramos absolutamente fundamental a sensibilização das crianças e professores para a importância da leitura como  atividade lúdica mas, e acima de tudo,  com impacto na melhoria do aproveitamento escolar dos alunos. É este é o espírito do projeto. Estou firmemente convicta de que este é um projeto marcante da nossa cooperação em Cabo Verde.

Existe em Cabo Verde um Plano Nacional de Leitura?

O Plano Nacional de Leitura de Cabo Verde está a ser construído e conta com a valorosa colaboração técnica do Plano Nacional de Leitura de Portugal. Importa referir que o DBE resulta de uma parceria tripartida que inclui a Cooperação portuguesa, o Ministério da Educação de Cabo Verde e o Ministério da Cultura e Indústrias Criativas (com a Biblioteca Nacional, o interlocutor identificado por este ministério). Há um diálogo regular e todas as atividades são delineadas e executadas  em equipa. Esta parece-nos a estratégia mais adequada na medida em que contribui para a criação de capacidades nas próprias entidades nacionais o que se afigura fundamental para a sustentabilidade deste projeto. O projeto conta igualmente com o apoio do nosso ministério da Educação, nomeadamente da  Rede de Bibliotecas Escolares de Portugal, um contributo que não hesito em qualificar de determinante para os sucessos que já foram possíveis alcançar. Esta é uma parceria bastante sólida e a nossa expectativa e ambição é de que, quando for chegado o momento de aferir os resultados, possamos concluir que, nas escolas beneficiadas por este projeto, se verificaram significativas melhorias no aproveitamento escolar dos alunos. Ainda que esta constatação possa não ser totalmente imputada ao projeto, acreditamos que, parcialmente, será certamente um resultado que decorre da operacionalização do projeto DBE.

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