Peru: Cátedra de História da Cultura Portuguesa “José Saramago”. Responsável da Cátedra - Luís Novais

Publicado em segunda-feira, 22 março 2021 12:04

Este texto foi originalmente publicado no Encarte Camões n.º 289 de 30 de dezembro de 2020 a 12 de janeiro de 2021; suplemento da edição n.º 1311, ano XL, do JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias com a colaboração do Camões, I.P.

Em novembro deste ano, o Embaixador de Portugal, em representação do Presidente do Camões, I.P., e o Decano da Faculdade de Letras da Universidade Nacional Maior de São Marcos, na presença do respetivo Reitor, assinaram o convénio criador da Cátedra de História da Cultura Portuguesa “José Saramago”.

Esta não é apenas a maior e mais prestigiada universidade peruana, ostenta o título de ser a primeira fundada em todo o continente americano. Tal como tentarei abordar, a história da relação entre Portugal e o Peru é feita de momentos de latência seguidos de outros de grande intensidade. Na sua vasta coleção de contos publicados em vários volumes com o título Tradiciones Peruanas, o escritor e historiador Ricardo Palma (1833- 1919) faz várias menções à presença de portugueses nos séculos XVI e XVII, geralmente ricos negociantes judeus e com experiências nem sempre bem fadadas.

A sua riqueza suscitaria invejas entre a população espanhola: “Bastaba ser português y tener fortuna para verse sepultado en las masmorras del Santo Oficio” (PALMA 2006, p.76). Noutra obra: “De año en año iba aumentando (…) la prevención contra los portugueses, contribuyendo no poco el Santo Ofício á darle pábulo, hasta que (…) ordenó el Virey que (…) saliesen logo del país.” (1863, p.13) Palma chega a exclamar: “Mala estrella tenían los portugueses con la Inquisición de Lima!” (p.6). A história da relação entre Portugal e o Peru é, contudo, muito mais antiga.

Ao contrário da voz corrente, o primeiro europeu no império inca não foi o conquistador espanhol Francisco Pizarro em 1532, mas sim o explorador português Aleixo Garcia em 1524, aí chegado depois de atravessar Brasil e Paraguai pelo Peabiru, mítico caminho nativo que unia a América do Sul da costa à contracosta (Bond, 1988). Já depois da independência peruana em 1822, Portugal integrará as prioridades diplomáticas de reconhecimento internacional. Em 1853, estabelecem-se relações (Novak, 2020, p.47) e o significado era claro: a fácil e rápida independência do vizinho Brasil contrastava com uma Espanha que só em 1879 reconheceria o Peru.

Momento de grande aproximação entre os dois países foi o da Revolução de Abril. Em 1968 os blindados também tinham saído às ruas de Lima para instaurar um governo revolucionário. Seis anos depois os cravos despontavam em Lisboa, quando o Governo revolucionário peruano estava em fase descendente e isolado na frente regional. A revolução portuguesa seria então usada como fator legitimador internacional, por vezes chegando-se a manipular os factos. Só no jornal La Crónica, um total de 408 títulos referiram-se a Portugal, por vezes com análises de página inteira.

Três jornalistas peruanos estiveram no nosso país em 1975 como enviados especiais e Rosa Coutinho visitou o Peru em agosto de 1975, com grande destaque na imprensa (Novais, 2019). Desde que um português foi o primeiro europeu a chegar ao império inca, a história das relações entre os dois países é feita de latências e efervescências, mas é, sobretudo, desconhecida. A Cátedra José Saramago servirá para o estudo da cultura portuguesa e, mormente, para destapar e aprofundar o conhecimento das relações culturais entre Portugal e os mundos amazónico e andino, fomentando a relação entre as universidades dos dois lados do oceano.